A Capa de Chuva – Sânzio de Azevedo:
Era tempo de chuva. Um rapaz que gostava de festas e tinha fama de namorador encontrou, num baile de clube suburbano, uma jovem que lhe chamou a atenção pela beleza: alva, loura e de olhar tristonho. Tirou-a para dançar, e tão bem se entenderam que, naquela noite, nenhum outro rapaz dançou com ela, nem ele dançou com outra moça.
Tarde da noite, quando ela se despediu, revelando que prometera à mãe não se demorar muito no baile, pediu-lhe que não procurasse segui-la.
No momento em que a jovem ia saindo, começou a chover. O rapaz, ou por gentileza ou por desejar revê-la, emprestou-lhe sua capa de chuva, ao mesmo tempo que, rindo, perguntava como a receberia de volta e qual o seu nome. – Meu nome é Alzira. Anote meu endereço.
Dois dias depois, numa tarde de céu nublado ameaçando chuva, foi ele à rua indicada e, chegando à casa cujo número havia anotado, bateu palmas. Ao ser atendido por uma senhora de cabelos grisalhos, indagou se ali morava a senhorita Alzira.
A mulher esboçou um gesto de espanto e perguntou de onde ele a conhecia. Ao saber que a jovem havia dançado naquela mesma semana em um clube do bairrro, olhou-o fixamente e disse, a voz trêmula: – Tive apenas uma filha, e se chamva Alzira…Mas ela morreu. Morreu há mais de cinco anos. Entre, por favor.
Como ele insistisse na história, com o forte argumento de que a moça lhe havia dado nome e endereço, a senhora foi buscar um álbum de retratos e, passando as páginas, pediu que ele apontasse a moça com a qual havia dançado.
- É esta aqui!
- Impossível! Esta é Alzira, mas morreu, como eu lhe disse. Vamos ao cemitério, que não fica longe, para que o senhor se convença de uma vez por todas.
Tomaram o ônibus e já caiam os primeiros pingos de chuva quando entraram no campo-santo. Com a força do vento, os ciprestes farfalhavam.
Mas antes que a mulhjer de cabelos grisalhos mostrasse ao rapaz o jazigo da filha, ele recuou, lívido.
Sobre um dos túmulos, estava estendida a sua capa de chuva…