A semântica das cores na Arte

A semântica das cores na Arte:

Desde a alta Idade Média, uma cor mereceu maior destaque na arte: o Preto e suas variações adjetivas como escuro, obscuro, negro, ébano etc. Surgia o Fantástico Tradicional. A arte valia-se desse matiz para criar suas ambientações, de um modo a incutir sentimentos de dor, de medo e a ligação com o mundo sobrenatural. Esta cor suplanta o senso iluminista do século XVIII e se estabelece no Romantismo fazendo surgir o romance gótico de que são exemplos: O castelo de Otranto (Horace Walpole), Frankenstein(Mary Shelley) e A rainha do Ignoto da cearense Emília Freitas.

A partir de Edgar Allan Poe, por exemplo, no conto A máscara da morte rubra. Com ele, uma nova cor ganha destaque, o vermelho. O Vermelho é, como o preto, uma das cores que primeiro adquire um sentido simbólico. Associado muitas vezes ao mundo mágico, o vermelho era a cor da terra e do manto colocados em tempos pré-históricos sobre os mortos para garantir-lhes uma vida além-túmulo. Na Europa antiga, amuletos embrulhados em vermelho serviriam para afastar os demônios. O vermelho representa o amor carnal, a paixão, o erotismo, além de personificar o sangue, a luta, o perigo e a morte. Na Bíblia, é a cor do pecado e da penitência, a cor da grande meretriz da Babilônia (AP 17,4). Na literatura e na sétima arte, geralmente, o vermelho adorna a capa dos vampiros. Estávamos diante do Fantástico Moderno.

Mas, a partir do século XX, tornou-se recorrente na Arte (Literatura, Cinema, Games e afins) o uso da cor Verde. Minha intenção era descobrir duas coisas. Se aquele uso era proposital, um simples modismo ou um estilo mesmo, e o que significava. Fui pesquisar o Verde. O verde nasce, na prática do artista, da fusão do azul (cor da imensidão) com o amarelo (cor da riqueza).

Segundo Manfred Lurker (1997), o Amarelo representa a materialidade e, basicamente, a riqueza, esta cor por si só é negativa na perspectiva de todos os seres que aspiram à transcendência divina, à pureza e ao desapego mundano. Utilizada por determinados povos para identificar os proscritos, os hereges e as prostitutas, o amarelo refere-se ainda ao Medo, ao “mau olhado” e à “inveja”, base da depreciação, e outros aspectos negativos.

O Azul é a cor da constância, da transcendência, do desejo infinito, das profundezas obscuras, simbolizadas pelo Céu e o Mar. Para alguns povos é a mentira, a ilusão e o sonho. No Alcorão, o azul simboliza o mal por identificar os criminosos. O Azul representa o onírico, o surreal, instando em adornos de deuses, em roupas de santos católicos e até mesmo recobrindo Krishna, que tem a pele interessantemente azul. O azul é a cor da imaterialidade, é a cor do Surrealismo.

Podia ser apenas uma paranoia iridescente, mas se compreendermos que o azul (cor utilizada no surrealismo de Breton e Dali) por seu potencial onírico, ao somar-se com o amarelo (cor da materialidade) gera uma cor de mescla, ou seja, uma cor que oscila entre a matéria (Real) e a abstração (Irreal), capaz de simbolizar, metaforicamente, todas aquelas coisas, situações, sentimentos ou seres que habitam o suprassensível, o inconcebível, o Sobrenatural contemporâneo. O verde é a cor do Fantástico Contemporâneo.

Partindo dos pressupostos semióticos de Pierce e Cassirer, passamos a observar que a cor Verde vinha sendo largamente utilizada. Ela precisava de uma significação nestas proposições artísticas. Tendo origem na fusão do Amarelo com o Azul, o Verde tem gênese propícia ao Fantástico porque se liga à Alteridade, à Ambiguidade, à Loucura, à Morte etc.

O Verde é a cor do “Estar a caminho” segundo os alquimistas, a cor da transição. Na crença popular ocidental o diabo aparece muitas vezes como “O verde”. O verde tem ligação com a morte, pois é uma das cores do estágio de decomposição. Na China, um pedaço de jade ou esmeralda era colocado na boca do morto impedindo-lhe a putrefação. Em certos casos é símbolo de sexualidade, além de referir-se ao sacrifício humano para os astecas.

O absinto, conhecido popularmente como La Fée Verte ou The Green Fairy, e cientificamente como artemísia absinthium, a bebida preferida dos artistas do final do século XIX, na verdade uma invenção do médico francês Pierre Ordinaire, em 1792, tinha como primeiro objetivo finalidades medicinais, atuar contra males digestivos, mas guarda um poder alucinógeno bastante conhecido. Ressaltar este teor alucinante é necessário porque a loucura, a alteridade, também é destacada pelo uso do verde, como se pode observar em “O incrível Hulk”, releitura cinematográfica contemporânea de The Strange case of Dr. Jeckyll and Mr. Hyde (1886), de Robert Louis Stevenson. No cinema, há vários casos que seguem nosso raciocínio.

Na Química, na Teoria dos 5 Elementos5 (antimônio, arsênio, chumbo, mercúrio e tálio), alguns dos compostos mais letais são encontrados na cor verde como o Tálio e o Arsênio, sendo marcados principalmente por conduzirem à morte depois de longo período de delírios, loucuras, sonhos e outros sintomas que combinam com as diversas temáticas do Fantástico. Nevroses famosas estiveram ligadas a estes cinco elementos, por exemplo, as de Mozart, Henrique VIII e Napoleão Bonaparte.

Na Bíblia, (Ap 4,3), temos uma referência ao verde-esmeralda como simbologia apocalíptica. E ainda, no mundo pagão, divindades como Osíris, Oxossi, Ratna e Uto, todos com alguma ligação com o verde ou com o mal em si. O basilisco6, por exemplo, monstro mitológico estudado e ficcionalizado por Borges (1967) tem plumagem amarelada e olhos verdes que matam. O verde é extraordinário! E quem duvidar disso prepare-se para enfrentar: a Kuca, o Duende verde, o Lanterna verde, o Peter pan, os Elfos, os Gnomos e até os marcianos que, se existirem, podem ser ironicamente verdes!