O Corvo

O Corvo:

 Em certo dia, à hora, à hora 
Da meia-noite que apavora
Eu caindo de sono e exausto de fadiga
Ao pé de muita lauda antiga
De uma velha doutrina agora morta
Ia pensando quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse essas palavras tais:
É alguém que me bate a aporta de mansinho
Há de ser isso e nada mais.

Ah! Bem me lembro! Bem me lembro!
Era no glacial dezembro
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia
Eu,.ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão) a dor esmagadora
Destas saudades importais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora
E que ninguém chamará jamais.

(...)

Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um
lord
ou de uma
lady
. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas
Acima voa dos portais
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas
Trepado fica e nada mais.

(...)

Ave ou demônio que negrejas!
Profeta ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! Clamei, levantando-me cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tia noite, deixa-me comigo
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que me lembre essa mentira tua
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua
E o corvo disse: Nunca mais!

E o Corvo fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho
Parece, ao ver-lhe o duro cenho
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

Edgard Allan Poe (Tradução de Machado de Assis)