Dream Machine – Dalmo Rosanno:
Pronto. Agora já estava funcionando. Só precisava encontrar alguém para testar. Colocaria um anúncio. Muita gente gosta de ganhar um dinheirinho extra, servindo de cobaia. Mas por que testar em alguém se poderia testar em si mesmo? Resolvido. Amanhã mesmo já teria o resultado. Esperaria chegar a noite? Pegou com cuidado a caixa preta. Reuniu os conectores. Louvou ter adaptado para eletricidade. O uso de pilhas ou baterias de carro pareceu-lhe primitivo. Foi para o quarto. Instalou a caixa preta sobre o criado-mudo. Desenrolou os conectores e os colocou sobre o travesseiro. Um preto, um vermelho. Um preto, um vermelho. Não resistiu. Ligou à tomada e apertou o power. A luzinha verde brilhou intensa, penetrante, quase incômoda. Mas era linda. Estava funcionando. Cama arrumada. Nenhuma dobra. Perfeito! Banheiro. Banho. Pijama. Cabelo arrepiado. Pente. Melhorou. Sala. TV. Cozinha. Jantar. Comida pesada. Era isso mesmo. Banheiro. Dentes. Ansiedade. Sala. Luz acesa. Um livro? Não. Hoje é melhor. Corredor. Luz apagada. Entrou no quarto com uma sensação de frescor. Corria um ventinho frio vindo da janela. A lua não brilhava lá fora, tímida diante do que iria acontecer. Coisa nunca vista. Súbito! Detalhe. O cabo. Sala. Corre. Corredor. Volta ofegante. Conectado. Perfeito. Recuperou o fôlego e foi se acalmando. Não era bom tanta expectativa. Talvez não desse certo. Nada demais. Daria certo. Tinha que dar. Deitou lentamente. Ventinho correndo. Cheiroso lençol. Olhou para a caixa preta. Mão esticada. Conectores na testa. Adesivos. Dedo no power. Luz verde incessante. Relaxou. Olhos fechados. Olhos abertos. Parede. Linhas do teto. Parede. Olhos fechados. Olhos abertos. Distância. Proximidade. Pés lá na frente. Parede. Luz verde. Teto. Olhos fechados. Olhos abertos. Olhos. Luz verde incessante. Luz verde. Luz verde. Luz verde incessante. Luz incessante. Luz. Só luz. Infinito.(…) Nuvens cobriam o chão. Voava. Mãos gigantes o suspendiam. Um armário de portas abertas. Preso no escuro. Nada lá dentro. Nuvens. Olhos enormes no céu. Armário. Girassóis. Um campo florido de sol e perfumes. Faca brilhando. Facadas no peito e na barriga. Saiu do armário correndo e caiu no infinito. Um rio, água correndo, nadando. Piscina muito azul. Espreguiçadeira e ela deitada. Gota de água escorrendo em seu corpo. Top-less. Seios pontudos. Parou na beira da piscina azul e ficou olhando. Nariz afilado. Boca entreaberta. Longilínea. Caminhou para a água. Beijo despudorado, língua passeando entre os dentes. Seios pontudos no peito, mãos passeando no corpo. Ereção. Mãos caminhando. Biquíni afundando na água. Encaixe. Movimentos dentro d´água. Muda de lado. Costas. Faca nas costas. Nuvens. Riacho. Armário. Nuvens. Língua. Placa com letras desordenadas. Leitura impossível. Não faça isso. (…) Olhos abrindo. Olhos abertos. Madrugada. Teto. Linhas do teto. Parede. Luz verde incessante. Luz verde. Sorriso. Riso contido. Pigarro. Conectores arrancados. Lençol no chão. Levantou-se. Andou lentamente até o vídeo. Funcionando. Stop. Eject. A fita pulou para fora como se tivesse algo para dizer. Gravou. Fita pra dentro. Liga TV. Senta no chão. Controle-remoto. Play. Silêncio. Verticais coloridas. Luz. Só luz. Infinito.(…) Nuvens cobriam o chão. Voava. Mãos gigantes o suspendiam. Um armário de portas abertas. Preso no escuro. Nada lá dentro. Nuvens. Olhos enormes no céu. Armário. Girassóis. Um campo florido de sol e perfumes. Faca brilhando. Facadas no peito e na barriga. Saiu do armário correndo e caiu no infinito… Luz verde incessante. Luz!
Dalmo Rosanno (Heterônimo de Vicente Jr.)