A madrugada:
Amanda Camilo
A noite estava fria e ela só pensava em escapar dali, das prisões que lhe acorrentavam a alma e o corpo, passara sua vida inteira atrás das grades da hipocrisia, usando máscaras de aceitação, sorrindo e acenando para falsos afetos, para uma vida orquestrada por seus pais. Mas eles não sabiam o que era melhor?!! Isso já não importava, pois ela precisava provar o sabor que tinha a liberdade, o poder de fazer suas próprias escolhas.
Naquele momento toda sua vida passava por sua mente, ela se via fazendo tudo o que lhe mandavam, era a boa menina, a filha perfeita, aquela que todos confiavam e esperavam boas ações. Mas a vida devia ser mais que tudo aquilo – pensava consigo mesma. Existe algo além destes cruéis portões que eu preciso descobrir. Se ela pudesse ver o mundo com seu próprio olhar, que dimensões ele teria?
– Meu Deus! Nunca poderei recuperar todo esse tempo em que estive cativa da vontade dos meus pais. – pensava.
Lembrou-se de todas as coisas que nunca havia feito, pois os pais não permitiam, da praia em que ela não pode mergulhar seu mar, do céu cheio de estrelas, de onde ela não pode se aproximar, pois seus pais diziam que montanha russa era perigosa, avião então…..
E então ocorria-lhe que seria assim para sempre, afinal estava de casamento marcado com um noivo escolhido por seus pais, um que lhe faria eternamente sua marionete. Mas ela poderia passar pela vida sem ao menos uma vez poder gritar? Sem nunca escolher sua bebida? Ela precisava de um dia para ela, um instante que fosse apensas seu, que fizesse tudo valer a pena.
Então, naquela madrugada, ela levantou-se, vestiu sua melhor roupa e fugiu sem rumo, para onde o destino a levasse, ao menos por aquela noite. Ela seguiu sem olhar para trás.
Sem pensar no por vim, ela teria seu “eu” precioso ditando-lhe o caminho para percorrer, não haveriam ordens, nem direções exageradas, nenhum cumprimento forçado, somente sua vontade de conhecer-se e ao mundo, mesmo que por algumas horas.
Até o céu estava diferente naquela noite, poderia ir onde quisesse, e de repente lhe ocorreu: Para onde ir? E lhe veio aquele desejo mais profundo e sereno de ver o mar; andou até a praia, pisou na areia fria da noite, e caminhou até mais perto do seu tão inalcançável mar, sentou-se e ficou a sentir o vento bater em seu corpo, pensando em sua vida, aproveitando aquele silencio fúnebre e acolhedor da noite, que lhe abraçava e consolava das mágoas passadas.
Não sabia quanto tempo havia ficado ali, até sentir duas mãos envolvendo seus olhos, com o susto soltou um leve gemido seguido de um grito abafado pela surpresa de haver mais alguém ali. Virou-se ainda assustada, mas descansou de suas preocupações ao ver o amigável rosto que lhe observava, era o semblante mais lindo que já vira em sua existência, notou logo seu sorriso encantador e viril.
-Me desculpe, eu lhe vi de longe e achei que você era um alguém que eu já deveria ter conhecido.- disse ainda em meio a um sorriso.
-Como assim? Perguntou ela, timidamente.
– De longe você parecia com o amor da minha vida.
Ela riu.
– É verdade.- ele afirmou um tanto sério.
– E de perto meu bom senhor, com o que me pareço?- ela indagou.
– Com um anjo. – ele disse num tom sério, tocando-lhe o rosto.
– Nunca ninguém fora tão doce comigo antes.
– Talvez porque não merecessem a proteção carinhosa de suas asas, anjo.
Os dois continuaram a se olhar, houve uma longa pausa, o silêncio tomou conta da noite, apenas ouvia-se o som de suas respirações, era um misto de incertezas e euforia que invadiam suas almas, eles sabiam que a presença um do outro causava-lhes um sentimento tão arrebatador que não poderiam descrever.
É, aquela noite tornou-se mágica, passearam juntos pela praia, mãos dadas, finalmente quebraram o silêncio contando um ao outro sobre suas vidas, rindo e fazendo de tudo um fardo tão leve que não parecia real. Pareciam velhos amantes, como se conhecessem um ao outro de toda a vida, naquele momento todos seus medos se dissiparam, não haviam duvidas ou inquietações, apenas os dois, duas almas que se encontraram ao acaso, no lugar e na hora certa para os dois, esqueceram-se do mundo que os rodeava e lhes aguardava, e ali, mesmo com poucas palavras trocadas viveram a intensidade daquele instante, tornaram-se apenas um, embreagados por sentimentos tão poderosos que lhes consumiam e lhes enlaçavam ao encanto daquela madrugada.
A noite acabou, já era dia, a vida iria recomeçar. Ela se foi sem dizer adeus. Ela não conseguiria. Arrependimentos? Nenhum. Viveu o que precisava viver. Voltou para casa. Casou-se. Nunca mais pode ser aquela garota espontânea da tórrida noite que vivera, mas tinha uma certeza que lhe confortava, ela existiu. E aquela madrugada ficaria em sua memória assim como em seu destino.
Muitas primaveras se passaram, desde que ela conhecera seu grande amor, e ela já idosa estava em Paris, numa bela confeitaria, conversando com sua filha, contando-lhe como escolhera seu nome, Angel, em homenagem a seu pai, e em como ela fora para ele um anjo, e em como ele lhe tocara de uma forma que ninguém mais tocou, e que tudo o que eles disseram um ao outro na noite em que seu amor fora consumado foi maior e mais forte do que uma vida inteira.