O Quarto das Azaléias – Vicente Jr:
22:00h. Desci do ônibus em frente à praça. Logo que os meus olhos se acostumaram ao lugar, procurei me informar onde ficava o antigo mosteiro dos padres beneditinos. Um senhor de uns sessenta anos, vigia de um prédio público, cachimbo na boca e um cassetete de jucá na mão apontou para a pequena ponte que rumava para fora da cidade e para cima de uma pequena elevação de terra onde se avistava uma grande cruz. Cego de um olho, o homem me analisou de cima abaixo e disse: “O quê que o sinhô vai fazer lá?” Aquilo ali tem coisa do Demo! Cruz credo!. “ Vou encontrar um amigo” Menti, pois até aquele momento, com exceção de minha mãe, ninguém sabia que o motivo que me levava até ali, até aquele confins do interior do Ceará, era apenas um sonho… “Tome tento, meu amigo” “Se o senhor soubesse a história daquele lugar, não pegava essa estrada.” Agradeci e comecei a cainhar rumo à pequena ponte. Em dez minutos estava lá. Um riachinho de nada passava por baixo de mim, os sapos sem a menor timidez gemiam seu coaxar de presságio. Uma pequena calçada de pedras envernizadas começava a surgir diante de mim. Era uma estradinha íngreme que levava ao topo de um serrote. Tudo que se avistava era uma cruz enorme e branca por trás de um alto sobreiro, árvore rara por aquelas bandas. Ao meu redor, o pio de pássaros notívagos completava a aura de mistério que o meu próprio destino já me impusera. Estava ali porque eu queria, mas tinha a nítida impressão de que alguém me chamava, lá dentro, lá em cima, lá onde estava a cruz.
Depois de alguns minutos, após contornar a frondosa árvore pude ver a majestosa arquitetura de um mosteiro tão velho quanto os nossos dias. Era gigante, com o alicerce aflorando da terra argamassado em pedra completamente tomada pelo lodo. Subi por uma escadaria tosca, pedra e madeira, até chegar a uma porta enorme trabalhada caprichosamente por mãos de hábil artesão. Um sino repousava do lado esquerdo da porta. Toquei-o e esperei. Alguns minutos depois, um monge de calva reluzente veio abrir a porta. Não me olhou diretamente, apenas disse: “Entre, seja bem vindo ao hotel dos monges”. Obedeci. Fui levado imediatamente por um largo corredor cheio de portas que denunciavam moradias seculares dos padres que ali estiveram. Era possível ouvir os gemidos atrás das portas, histórias de recusa e sacrifício. Prazeres proibidos, escondidos, apenas dos olhos do Cristo pendurado eternamente na parede. Fazia o possível para não tirar minhas luvas. Quanta história aquele lugar misterioso tinha para revelar. Chegamos a uma sala ampla onde havia um balcão, com um livro enorme, como a bíblia, onde os hóspedes deixavam seu nome registrado. Era um livro de veludo lodoso, as letras doiradas refulgiam na claridade tímida daquela lâmpada.“ Quantos dias o senhor vai ficar?” “Não sei. Talvez dois”. “Pois vou subindo para lhe arrumar o quarto. Espere um pouco que eu volto para lhe buscar” Dito isso, o monge foi subindo a escada que serpenteava em direção aos vitrôs de inspiração gótica. Impulsivamente, tirei as luvas. Coloquei a mão esquerda no cabeço de uma cadeira negra e senti a forte vibração daquelas lembranças…
Três lindas mulheres entraram correndo pela sala, bem mais iluminada, cheia de sol nas janelas e em seus olhares. A mais velha tinha uns 19 anos, era loira e voluptuosa; outra tinha uns 16, sorridente como uma flor que se abre para o nariz do viajante; a mais nova tinha 13, uma beleza inspiradora, envergonharia qualquer artista italiano. Três ninfas, três beldades que transbordavam de prazer, de gozo pela vida. Era mágico admirá-las.
Um homem cinquentenário entrou a passos largos. Era o pai das jovens. Sentou-se e foi ladeado pelas beldades. Tirei a mão da cadeira e voltei à sala escura, de luz única. O monge voltara. Comecei a subir as escadas e em minutos estava no quarto mais suntuoso que jamais vira. Na parede, três azaléias doiradas, bordadas em um estranho tapete esverdeado.“
“Este é o melhor quarto do hotel”, interrompeu-me o monge, “chamamos de Quarto das Azaléias”. Pertenceu a três irmãs que dormiam juntas nessa mesma cama…
Toquei a borda arredondada da cama gigantesca. Vi três corpos nus que dormiam abraçados num emaranhado sensual de cabelos ruivos, loiros e negros. Afastei-me para dar entrada a um homem sujo, corpulento, que trazia na mão uma faca ensanguentada. O homem passou por mim e rumou lentamente para a cama, olhos sedentos, a boca faminta e o corpo em brasa diante daquela nudez infantil e despudorada. Não olhei mais para as jovens, pois não quis ver aquela cena tão grotesca, mas ouvi seus gritos, ouvi o arrastar macio da faca nas carnes portentosas e principalmente o farfalhar do tecido que seviriam em seguida para a limpeza da arma. Tirei a mão da cama. Estava chocado.
O monge me olhou enviesado. “muito obrigado”; “boa noite”, ele disse. Saiu, trancando a porta atrás de si. “O café é às seis horas”. Desarrumei minhas coisas e deitei naquela cama enorme. Peguei um livro que trazia comigo, acheguei-me á luz que ficava ao lado da cama e comecei a ler para ver se o sono vinha logo. Adormeci.
Pela madrugada, por volta de três da manhã, hora grande e silenciosa, abri os olhos e mirei fixamente o teto onde nuvens simulavam um céu cintilante. De repente, as três donzelas começaram a descer do teto e pousaram em minha cama, uma em meu colo as outras do meu lado, uma em cada orelha mordendo-me o lóbulo como se estivessem prontas a me devorar ao meu mínimo movimento. Enovelaram-se ao redor de mim e rasgaram as minhas roupas. Uma enfiou-se pela coberta e passou a fazer com sua língua a massagem mais relaxante que um homem pode desejar. As outras faziam pequenos círculos em meu corpo como se me desenhassem com suas unhas. Era uma dor deliciosa. Tiraram suas roupas e pude vê-las nuas à minha frente, um convite ao amor, ao prazer sem limites. Eu não sabia se sonhava, também esquecia todas as definições de realidade… e aquilo parecia tão real… Sentia cada carícia em meu corpo, que vibrava como as cordas de um violino antigo. As carícias aumentavam, seios, línguas e nádegas me enlouqueciam. Desfaleci.
No dia seguinte, acordei ainda atormentado com o sonho tão estranho. Troquei-me e desci para o café. A sala estava cheia de monges, todos tomando seu desjejum. Interessantemente, olhavam-se e olhavam para mim. Dava para sentir no ar a cumplicidade. A mesa era farta, mas eu me contentei com pão, leite de cabra e chá de canela. Levantei-me e rumei para o salão a fim de encerrar minha conta. Já levava comigo as minhas coisas. Lá, o monge calvo me olhou com espanto. “O senhor não vai ficar mais tempo?” “Não, amigo, eu vim apenas para dormir. Não sei por qual motivo, mas vim apenas para dormir.” E dormiu bem? “Foi uma das noites mais tranquilas e mais prazerosas que já tive” ”Não houve nada assim de diferente? Nada estranho… no quarto…” Disse o velho. Não. Paguei e fui saindo. De repente, o monge me alertou: “A blusa!” “Como?” “A blusa, feche a blusa. Sua blusa está aberta”. Imediatamente, fechei o botão, com cuidado para que ninguém visse os arranhões de unhas que se alastravam sobre o meu peito. Lá fora, o sol convidava para um passeio.