O grande surto do “calar-se”: análise do conto 1968

O grande surto do “calar-se”: análise do conto 1968:

Resumo

Este estudo aborda, por meio da análise do conto 1968, de Vicente Jr, uma crítica ao período da Ditadura Militar no Brasil, principalmente o ano mais crítico, considerado o ano do Decreto do Ato Institucional de número cinco (AI-5), época em que, segundo nosso ensaio, o “surto do calar-se” começou a vigorar. No conto, isso é marcado pelo nascimento de crianças sem boca. As mães dessas crianças, normalmente, eram estudantes universitárias que lutavam por seus direitos e eram as maiores vítimas daquele regime. Perseguir, prender, torturar, matar era a forma de calar a boca da sociedade. O nascimento das crianças sem boca, então, aponta por meio de uma alegoria fantástica, uma crítica a uma nova geração que nasceria, sem direito à voz, sem opinião, sem poder falar.

Palavras-chave: Ditadura Militar. Estudantes. Tortura.

Considerações iniciais

No ano de 2000, o contista Vicente Jr, autor do texto “1968”, usou essa obra com o intuito de nos mostrar o quanto as pessoas eram obrigadas a “calar a boca” em uma época difícil da nossa história. Usou a metáfora para fazer uma crítica ao movimento da Ditadura Militar que deixou muitas vítimas durante suas mais de duas décadas.

O autor escreveu de uma forma inusitada e simbólica dizendo que havia nascido crianças “sem boca”, na verdade uma forma de nos relatar os acontecimentos de tortura e censura vividos por mulheres, estudantes, crianças, etc durante esse o regime (64-68). Principalmente a partir do Ato Institucional número cinco (AI-5), decretado pelo Presidente Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 que produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros.

Este conto mostra, por meio de uma história fantástica, do sobrenatural, um mundo rela, mas com algo sobrenatural, que nos fala de um sistema de poder arbitrário, que praticou, favoreceu e permitiu muitas espécies de violências contra a pessoa humana, principalmente contra mulheres grávidas que eram presas pelo regime.

Desenvolvimento

Entende-se, por meio da narrativa, que houve um surto do “calar-se”. Foram tantos anos sem brilho, sem vida com tantas agressões, torturas e mortes onde ninguém podia falar nada. Tudo tinha que parecer normal. A não ser o fato de as quatro crianças nascerem sem boca, que o autor vai fazer um paralelo com as arbitrariedades cometidas pelos militares durante o regime.

A própria mídia, por mais que noticiassem os acontecimentos, era controlada pela censura da Ditadura. As imagens existiam, mas não eram liberadas. Os jornais da época noticiavam que o país estava passando por um surto de grande crescimento, fato esse, manipulado para encobrir as torturas que estavam acontecendo nos porões da ditadura. O texto nos leva, anos depois a refletir sobre isso.

Pelo que se observa, ao dizer, “mas essas crianças sem boca realmente metem medo” percebe-se que o autor está direcionando para o fato de calar a boca daqueles que são contra a forma de governo afim de amedrontar e impor a sua força perante toda a sociedade, característica de um Estado Totalitário que se impõe pelo medo.

Outro fato em destaque é quando o autor diz que “o Ministério da Saúde, ao lado do Ministério da Defesa, disse que não foi erro médico, não foi culpa do hospital”. Aqui, percebe-se o fato de crianças nascerem com deformidades na época da ditadura era absolutamente normal para o governo, tirando a responsabilidade do mesmo.

Muitos desses nascimentos ocorriam na própria cela das prisões, lugar onde muitas mulheres grávidas eram torturadas. Havia uma forte especulação do fato de essas mães serem estudantes universitárias e ainda não apresentarem documentos. Logicamente, os estudantes da época eram os mais perseguidos pelo regime e muitos deles escondiam a sua verdadeira identidade.

Uma dessas mães e estudante, por exemplo, foi a jornalista Miriam Leitão que foi presa e torturada pelos militares. Ela estava grávida de um mês quando isso aconteceu. Só conseguiu sair da prisão já no quarto mês de gravidez quando seu médico disse que se o seu filho sobrevivesse teria sequelas decorrentes das constantes torturas que ela sofria.

O autor trata os fatores das mães serem estudantes, sendo duas delas hippies, sem lenço e sem documento (aludindo a uma música famosa da época) sendo um forte indicador de anomalia congênita, pois serviriam como “estimulantes” na vida diária, sugerindo, na ótica do narrador, o uso de drogas pelos jovens. Ou seja, todos esses fatores foram cruciais na formação dos bebês, sendo a boca a principal afetada. Segundo o texto, na linha do realismo fantástico, pretendia-se dar um “cala a boca” em todos aqueles que afrontassem o regime.

Considerações finais

Portanto, em todo esse ensaio observei que foi feita uma crítica a uma época cruel vivenciada pela sociedade brasileira, que foi o período da Ditadura Militar, excepcionalmente o ano de 1968, o ano que começou a vigorar o AI-5. O “calar-se” era uma forma de aceitar o regime nem que fosse na base da tortura.

Atualmente há quem defenda que não houve censura, torturas, e até mesmo mortes naquela época como forma de perseguir quem fosse contra o governo. Alguns dizem que tudo foi mentira. A porta da história do nosso passado está aberta para interpretações.

Porém, questionar com documentos oficiais e depoimentos de pessoas que vivenciaram o período é inadmissível. Que o grande surto do “calar-se” nunca torne a se repetir na História do nosso país. Que nossos estudantes continuem a usar suas bocas para protestar, pois, só assim conseguiremos nossos direitos. Repressão nunca mais!

Nota:

Acadêmica do curso de Licenciatura em LETRAS da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA da turma do PARFOR Graça-CE. E-mail: mirla.araújo217@gmail.com

Referências

CONTREIRAS, Hélio. AI-5: A opressão no Brasil – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2010.

PAULA JÚNIOR, Francisco Vicente. Conto “1968”, ano 2000.