1968

1968:

Apesar do dia sombrio de ontem, o sol hoje apareceu com força batendo nas bancas de revista e esquentando a gandola verde-oliva que encobre a memória. O brilho dos galões dourados, a fivela, o cinto. Droga de vida! Há tanta vida lá fora e aqui dentro sempre….

Na vitrola, a banda passa porque tem de passar mesmo e quem haverá de impedir? Os livros na estante, meu cavalo trotski jogado a um canto, a cartilha vermelha de anotações sangrentas. Bilhetes de loteria e poules do jogo do bicho que é pra ver se a sorte muda. Mas tudo parece o mesmo, tudo normal…nada muda…a não ser pelo fato de que hoje, na maternidade da rua Tonelero, quatro crianças nasceram sem boca. Isso. Estranhamente, crianças nasceram sem boca. Os jornais foram chamados imediatamente, mas não foi possível fazer ainda imagens dos bebês. Ou as imagens já existem, mas não foram liberadas. Há algo de muito estranho nisso. A vida é difícil, mas diz no jornal que o país vem passando por um surto de grande crescimento. Tudo normal. Mas essas crianças sem boca realmente metem medo. E se for uma nova síndrome? E se for uma mutação que atingirá todas as pessoas que nascerem de agora em diante. O Ministro da Saúde, ao lado do Ministro da Defesa, disse que não foi erro médico, não foi culpa do hospital. As crianças nasceram sem boca sim, nasceram e pronto. Quem vai mudar isso? Mas há uma forte especulação, factóides, de que as mães das crianças estão fortemente implicadas, pois todas são universitárias, dentre elas duas hippies, sem Lenço, Sem Documento, o que pode ser um forte indicador de anomalia 2 congênita, pois utilizam certos “estimulantes” na vida diária. E pode ter afetado a formação dos bebês, a boca principalmente. Não entendo o que acontece. Podia ser sem braço, sem perna, sem orelha… mas sem boca?!

Os jornais não param de falar no assunto… Sei que isso não vai acabar bem… Por enquanto vou caminhando e cantando… esperando o segundo sol chegar.

Dalmo Rosanno – Heterônimo de Vicente Jr (@vicenthy.jr)